Mario Quintana, “minha profissão é jornalista”

Artigo orginalmente publicado no Observatório da Imprensa, edição 1631, 24 de outubro de 2025

Imagem: Divulgação

 

Mario Quintana ganhou uma biografia, mesmo sem querer que falassem de sua vida. A isso ele tinha horror. Entrevistas, por exemplo, abominava. Dizia que a sua vida estava na sua obra. E a sua biografia ficou sendo a obra, até que Gustavo Grandinetti publicou O passarinho do contra: uma biografia de Mario Quintana (Tordesilhas, 2024, 256p).

Mario de Miranda Quintana e não Mário, é sem acento mesmo, e ele não gostava nada quando acentuavam, nasceu em Alegrete (RS), no dia 30 de julho de 1906, e foi “menino de aquário”, preso em casa, e era epiléptico que nem Machado de Assis.

Infância e juventude nos livros. Interno no colégio militar em Porto Alegre, aparece na fotografia vestido de traje formal. Nesse período, gastava sábados na Biblioteca Pública, entre novelistas russos, simbolistas franceses e revistas de arte europeias.

O resultado é que foi reprovado não sei quantas vezes, não se formou e foi ser caixeiro na Livraria do Globo…  Não durou três meses, o pai veio buscá-lo e ele foi intimado a trabalhar na farmácia paterna, em Alegrete. Não durou muito, logo era órfão de mãe e pai e voltou para Porto Alegre para trabalhar no jornal O Estado do Rio Grande.

Nasceu o jornalista e o boêmio. Ia à livraria, ao teatro, pegava o bonde, tomava chope e fez grandes amizades. Um grupo da pá virada, do qual ele e (Érico) Veríssimo eram os mais comportados. Até que se alistou no 7º Batalhão de Caçadores por Getúlio e pela Revolução de 1930 e foi bater no Rio de Janeiro. Ficou 6 meses no policiamento da cidade e pediu baixa.

Retornou a Porto Alegre e foi escrever para o jornal sem obedecer às regras: “Eu fazia a coisa ao inverso. Nos títulos em três colunas, eu botava doze sílabas; no segundo título, decassílabo; e no terceiro título, um setissílabo. Uma vez fiz um título que parecia um poema. Fiquei contentíssimo. O meu chefe Raul Pilla chegou lá e perguntou: “Quem foi que escreveu este título?”. Eu me levantei muito anjo e disse: “Fui eu, Dr. Pilla”.

Demitido, mandou-se novamente para o Rio. Lá, trabalhou em jornal. O jornal fechou e ele voltou para Porto Alegre. Foi ser tradutor para a editora da Livraria do Globo e jornalista do Correio do Povo. Quintana se considerava jornalista e disse: “Minha profissão é jornalista. Poeta é o estado, assim como o estado de graça ou estado de coma, conforme o poeta”.

A sua trajetória no jornalismo foi assim: 1929, início no Estado do Rio Grande; 1930, colaborador da Revista literária da Livraria do Globo; 1930–1932, Estado do Rio Grande até o fechamento; 1934, início dos trabalhos avulsos para o Correio do Povo.

1935–1938, Gazeta de Notícias (Rio de Janeiro), até o fechamento; 1943, colaborador da revista literária Província de São Pedro, coluna Caderno H; 1953, coluna Caderno H para o Correio do Povo; 1953–1980, redator auxiliar no Correio do Povo, onde permaneceu até a falência do jornal; 1984, coluna na revista IstoÉ, mas durou pouco…

Marco Tulio de Rose conta como era a rotina: “Cinco horas da manhã de qualquer dia da semana útil e o poeta-jornalista Mario Quintana está entrando na redação do Correio do Povo. Seu trabalho vai até oito e trinta, nove, quando sai para a noite.”

E completa: “Debruçado numa máquina, tendo um texto em francês ou inglês ao lado, com um cigarro perene aceso à boca, o poeta traduz para o português. Um dedo só, que velho jornalista que se preze só admite escrever com um ou, quando muito, dois dedos. O texto sai na hora, de uma língua para outra, tendo como canal um cérebro que teima não ter boa memória e um dedo teimoso”.

Mario Quintana teve uma vida franciscana, desapegada de bens materiais, pulando de pensão em pensão, depois de hotel em hotel, até os últimos dias; e praticou dois vícios: o cigarro e o álcool. A sua residência mais famosa foi o Hotel Majestic. Hoje, casa de cultura com seu nome.

Não casou, não teve filhos. Concorreu para a Academia Brasileira de Letras três vezes e perdeu as três. Erudito, autodidata, leitor voraz, modernista da segunda geração, foi um Fernando Pessoa brasileiro e bruxo como Machado de Assis. Bruxo do Majestic.  Faleceu em Porto Alegre, no dia 5 de maio de 1994, aos 87 anos, e finalmente foi dormir de sapatos.

***

Gustavo Sobral é jornalista e mestre em Estudos da Mídia (UFRN). É também bacharel em Direito e, atualmente, graduando do curso de História (UFRN).

Compartilhe Essa História:

Gustavo Sobral

Sobre o autor: Gustavo Sobral

Gustavo Sobral é jornalista e escritor, tudo que escreve, rabisca e publica está disponível no seu site pessoal gustavosobral.com.br