A nada vetusta língua portuguesa
Está provado. O português veio do galego e não do latim. Quem explica isso e mais é Fernando Venâncio no seu surpreendente, agradável, curioso e instrutivo “Assim nasceu uma língua: sobre as origens do português” (Tinta-da-China Brasil, 2024).
E como todas as línguas, é o português uma mistura. Tem adoções, empréstimos e usos de palavras do espanhol, do francês, do latim. Um latim que veio por vias do inglês, francês, espanhol e do… galego! O moçárabe também lhe deixou algumas heranças.
No português, a queda do l e do n, sobretudo nas ocorrências duplas (tabella, bello, villa), o fez diferente do galego, enquanto algumas permanências os fizeram próximos. Saudade, acreditem, não é exclusividade portuguesa. Pasmem! É tanto galego, quanto português.
E só o português e o galego têm beira-mar, cheia, clarão, enxurrada, lusco-fusco. Lamaçal, orvalho, pedregulho. Trovão e xisto. Carvalho, caule, andorinha, borboleta, minhoca, joaninha, papagaio, polvo e vagalume. Janela, fivela, tigela, vassoura e guarda-pó.
Também os escritores fizeram o português. Foi nos sermões e cartas de Viera que estrearam: assombroso, interessante, lastimável, valentão. E da pena de Garret, vieram os adjetivos anormal, confidencial, pitoresco, já existentes em outras línguas e ainda não no português.
O português foi ficando assim também com as suas coisas próprias. Os substantivos dos mais inventivos e origens diversas calharam no português: acepipe, chilique, chinfrim, denguice, faxina, folguedo, gorjeta, malta, mixórdia, rega-bofe, salafrário, serigaita, sururu, zoeira.
Adjetivos não deixaram por menos: macambúzio, peralta, maluco, finório, maroto. Maçudo e rechonchudo. Apalermado e desmiolado. Encabulado e encalacrado. Alcoviteiro, bisbilhoteiro, desordeiro e interesseiro. Estapafúrdio e estrambólico. Bom demais, não é?
O ditongo “ão” é criação portuguesa. Made in Portugal. Abundante na língua durante séculos, causou confusão, pois não havia na grafia distinção entre passado e futuro: chegarão, virão e chegaram e viram. O povo devia viver perdido. E os plurais? Como usar: Verão, verões? Cãos, cães?
O português restou ser assim uma língua confusenta por natureza. O que não pode e nem deve ser visto como uma pecha. Certo o dito do gramático Fernão de Oliveira, 1536: o falar muda-se quando e como quer o costume. É preciso, portanto, acabar com esta ideia de erro e deixar o idioma fluir.
A língua é viva e continua a sua jornada. Se o galego e o português foram se distanciando e hoje são línguas diferentes, o português europeu e o português brasileiro, variantes de um mesmo idioma, também o vão. A sina do português, constatação a que se chega, é dividir-se e multiplicar-se em outros idiomas. Livre e desimpedido como sempre foi.