Objeto

Dácio Galvão registra nas páginas da Tribuna o interesse em publicar o inédito Goianinha de Hélio Galvão e o contato com Gustavo Sobral para pensar os caminhos da edição.

Tribuna do Norte, Viver, 05 de julho de 2018, Dácio Galvão

Várias Copas do Mundo passaram-se. Aliás, antes mesmo da primeira Copa organizada pela FIFA em 1930, os poetas locais já deliberavam seus versos boêmios, simbólicos ou ideogrâmicos. Foi assim com Lourival Açucena, Henrique Castriciano e Jorge Fernandes que tanto interesse causou em Mário de Andrade.

Havia aqueles que não enveredando pela poética buscavam a etnologia, história, geografia, genealogia. Menos comum, considerando que era e é prática corrente especialmente em novas paixões, o desencadeamento de estrofes românticas pueris e declaratórias sem carga estética que as faça sobreviver para além do limite passional. Ou seja, versos que um dia quase todo vivente experimentou.

Nessas últimas temáticas Helio Galvão assinava. Assim, os poucos versos que se exercitara trazia a carga do amor familiar, paternal.

O interesse era potencializado noutro campo. Num estilo onde a prosa poética ou a “proesia” cabia em registros sociológicos, etno-historiográficos, petições iniciais, ensaios sobre a literatura oral…

A Fundação Cultural Helio Galvão guarda o acervo do escritor envolvendo sua biblioteca particular, acervo arquivístico e também o mobiliário. Vários livros publicados postumamente suscitavam organizações e anotações como no Derradeiras Cartas da Praia, Romanceiro: estudos & pesquisas, Poemas da Tarde e Velhas Heranças. Este, estudo de testamentos coloniais, editado por Abimael Silva, selo Sebo Vermelho.

Há o livro “Goianinha” escrito antes dos vinte anos de idade abordando aspectos eclesiásticos, genealógicos e apontamentos sobre a geografia e fatos históricos do município. No primeiro quarto do século XX, Goianinha tinha seus limites expandidos. Incluía inclusive a Praia da Pipa e todos os distritos e localidades que formam hoje o município de Tibau do Sul. Esse período foi da coleta e posterior escritura que resultaria no tal volume.

Quando me deparei há anos com esse material no arquivo já organizado, fui consultar o historiador Olavo de Medeiros Filho para quem Helio Galvão com edição pelo MEC e parecer do Conselho Federal de Cultura, do livro História da Fortaleza da Barra do Rio Grande, era o marco zero da referência historiográfica potiguar. Com pontos revisíveis naturalmente.

Propus que lesse e posteriormente trouxesse com segurança a opinião rigorosa de um pesquisador responsável e não superficial. Leu e foi taxativo apontando que a robustez do capítulo da História Eclesiástica permitiria publicação autônoma. Os demais estavam a exigir uma dada responsabilidade levando-se em conta que o autor anula parágrafos e até páginas inteiras sem re significá-las. E mais. O mesmo autor em trajetória intelectual evolutiva já havia de há muito ultrapassado em graus de profundidade, parâmetros e sistematizações do geral que ali estava posto. Por último, se e me perguntava o porque HG não o publicara?

Fora essas considerações em linhas gerais que Olavo me passara.

Mas os anos continuaram passando. Ensaios publicados na Revista Brasileira de Sociologia foram organizados por José Arno Galvão. Sanderson Negreiros insistia na arregimentação e posterior edição dos editoriais escritos por HG no Diário de Natal sobre a Via Costeira, quando se polemizava sobre. Negreiros afirmava a alta voltagem literária ali contidas. Os artigos-crônicas da coluna Ponto de Vista, escritos na Tribuna do Norte… Enfim, mais e mais material para edição incluindo as cartas-bilhetes do remetente Oswaldo Lamartine. As dificuldades sempre existiram, mas…

Um poeta do cancioneiro nacional já vaticinou que o livro é objeto transcendente. Do feito em terracota da Biblioteca de Alexandria, passando olhos nos de pergaminhos, icunábulos gutenberguianos até os atuais e-books.

Mas quando um livro se encanta ou provisoriamente desaparece? Causa espanto e alegria. Explico rapidinho. Meu irmão Arno já convalescendo com o câncer que infelizmente o levou, guardou o livro e num certo estágio de certa perda de memória não conseguia lembrar sequer havia ele mesmo retirado do arquivo. Agora, passado cinco anos, Vaneska, sua filha, reencontrou o tal livro Goianinha, com prefácio de Luís da Câmara Cascudo e parecer da Comissão Estadual de Cultura do RN.

Vamos tratá-lo com a reverberação permanente das observações que Olavo nos fez. Num encontro casual conversei na academia de cultura física com o pesquisador Gustavo Sobral. Recomendou-me olhar uma publicação de João Cabral de Mello Neto, preservando a tipologia original e anotações. Mais um, de um historiador que a memória agora não me socorre. Este último anotado e re anotado. Numa consulta sobre o assunto ao jornalista Woden Madruga inusitado calhou de me sugerir o nome do pesquisador Gustavo Sobral para alavancar o processo editorial. Que bom! Coincidência? Não. Sincronicidade junguiana. Vamos alargar essas consultas, claro.

Sem pressa, com zelo e responsa. O valor documental do livro Goianinha não é mensurável. Os anos, o contexto obviamente o fizera misterioso, cobiçado numa terra onde o mnemônico é subproduto. Mais seu território se insere hoje na economia criativa!

O interesse do Instituto Histórico e Geográfico, entidade que HG era integrado, em fazer parceria editorial com a Fundação Cultural Helio Galvão, foi manifestado através do seu presidente Ormuz Simonetti.

Por tudo e pela memória vamos transcendentalmente fazer pulsá-lo na corrente sanguínea sobretudo do litoral leste. O homem vale aquilo que fixa!

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Gustavo Sobral

Sobre o autor: Gustavo Sobral

Gustavo Sobral é jornalista e escritor, tudo que escreve, rabisca e publica está disponível no seu site pessoal gustavosobral.com.br