Teria a história algo a dizer ao jornalismo hoje?

Artigo orginalmente publicado no Observatório da Imprensa, edição 1355,  11 de setembro de 2025

Imagem StockSnap por Pixabay

 

Recentemente, em coautoria com Juliana Bulhões, publicamos uma história regional do jornalismo, “História do jornalismo no Rio Grande do Norte (1832-1889)” (editora Biblioteca Ocidente, 2025, 56p.).

O livro é um dos resultados de uma pesquisa que viemos desenvolvendo sobre a história do jornalismo que não só redundou na publicação de alguns artigos, como também, recentemente, na publicação desse livro-ensaio.

Além da leitura de trabalhos fundamentais sobre a história da imprensa e dos jornais, como, entre outros, “História cultural da imprensa: Brasil, 1800–1900” (2010) de Marialva Barbosa; e, “História dos jornais no Brasil” (2015) de Matías Molina; fomos à fonte primordial: os jornais.

Foram meses e meses da leitura de jornais semanais diversos do século XIX que encontramos no fabuloso arquivo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, quando passamos a viver em outro tempo. Foi como se mudar para outro século e acompanhar o que era notícia e como se fazia jornalismo.

Foi entre anúncios de fuga, compra e venda de escravizados, purgantes e elixires, mas também de um abundante debate político, sobretudo nos temas sensíveis, a abolição e a república, folhetins, artigos de opinião e até crônica e reportagem que nos deparamos com certos pilares do jornalismo como o que sempre foi feito da matéria do dia, ou seja, do contemporâneo.

Assim, pudemos logo de pronto notar que o jornalismo no Brasil já nasceu em sua essência noticioso e diverso, característica que permanece. Mesmo que o seu meio não seja mais o impresso, que era o único e preponderante, e, hoje, seja multiplataforma, podemos constatar que este pilar desde seu surgimento no Brasil permanece.

É importante lembrar que a imprensa no Brasil era novidade. As máquinas, os veículos e os seus operadores começaram a surgir por aqui após a vinda da corte portuguesa para o Brasil em 1808 e a partir daí jornais foram se espalhando rapidamente pelas províncias, que hoje correspondem aos estados.

É certo que havia uma abundância de veículos no centro do poder, o Rio de Janeiro. Mas as províncias não deixaram de ter os seus. Jornais foram surgindo pelo Brasil afora e a notícia foi circulando pelos vapores. Os navios que circulavam pela costa traziam e levavam jornais e, assim, a informação circulava. O jornalismo já se fazia em rede.

Dois fatores foram essenciais para que se fizessem jornais e o jornalismo: um deles, primordial até hoje, foi a liberdade de imprensa e a livre iniciativa para se fundarem jornais. Inclusive, duas medidas asseguradas por lei que mesmo que pressionadas pela censura conseguiram se fazer valer. Outro fator foi o acesso à tecnologia do momento e a profissionais habilitados para operá-la: a tipografia e o tipógrafo.

Quando hoje nos deparamos com todos os dilemas que assaltam o jornalismo atualmente, e vejamos, a liberdade de imprensa, a presença da IA, a formação profissional, os temas contemporâneos, como as questões climáticas, entre outros. Numa Era, como escreveu aqui no Observatório da Imprensa João Pedro Malar, Do pós-Facebook ao pós-Google, nos perguntamos, ao olhar o passado, o que o jornalismo de ontem poderia nos dizer.

Um jornalismo que pelas suas práticas pode ajudar a pensar sobre o jornalismo de hoje. A primeira delas seria a não concentração regional, a presença e existência de veículos e jornalistas em todas as regiões do Brasil, a mídia regional e local, a ampliação dos seus temas e a presença das questões contemporâneas e do debate e a voz ao leitor.

Ao que parece, o jornalismo de ontem não se furtou a contrariar a necessidade da mudança ao mesmo tempo que inegavelmente foi um espelho do seu tempo. Se o jornal foi aquele que naturalmente publicava anúncio de escravizados, seja de fuga ou compra e venda, pouco a pouco foi aquele que veio a condenar a escravidão como algo nefasto e celebrou a abolição.

Se foi também um jornalismo que surgiu com homens escrevendo jornais para o público feminino, foi também aquele que deu voz a pensadores que estavam adiante, reclamando educação para as mulheres, reclamando igualdade de direitos, contra a escravidão e contra a subjugação do indígena, como foi a educadora e também jornalista Nísia Floresta, que já escrevia artigos para os jornais na década de 1830 sobre estes temas.

Se hoje reivindicamos a presença de um jornalismo plural com diversidade de representação, devemos olhar para Nísia Floresta. Assim, quando se fala em reinvenção do jornalismo, podemos ampliar o olhar para os primórdios também, e entender que o jornalismo também nunca foi feito sem tecnologia de ponta.

Enquanto os jornais manuscritos tinham uma circularidade bem menor, a tipografia trouxe a capacidade maior de alcance, então devemos entender que a crise gerada pela tecnologia pode ser considerada uma oportunidade para o jornalismo. Aquela de, ao aprender a dominar a técnica, ampliar o seu alcance, pois a sua natureza não se separa da tecnologia do momento. E isso, encontramos na história, não é de hoje.

É claro que nem todas as respostas estão no passado e tampouco o passado é perfeito. Mas conhecer o passado pode ajudar a entender melhor o presente e as engrenagens de como surgiu e foi feito o jornalismo no Brasil, desde este primeiro, lá no século XIX, do qual aqui estamos falando, até o que vivemos hoje.

A história do jornalismo no Brasil é preciso lembrar que é coisa recente. Passamos há pouco dos duzentos anos. Mas quantas Eras já não vivemos? Quantos solavancos? Sempre imperfeito, pois da matéria humana é o jornalismo, mas essencial, pois o jornalismo não só se fez na democracia, como também sobreviveu aos momentos em que ela, infelizmente, foi sequestrada. A Era digital é mais um capítulo desta história.

É quando surgem as encruzilhadas que mais devemos olhar para trás. Conhecer a si mesmo pode não ser uma solução, mas pode ajudar a melhor ver os dilemas do presente e a entender que, postos os desafios, o jornalismo sempre foi aquele que foi capaz de enfrentar as suas próprias limitações e desafios.

A quem interessar, o livro mencionado está disponível gratuitamente para download neste link.

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Gustavo Sobral é jornalista, mestre em Estudos da Mídia (UFRN). É também bacharel em Direito e, atualmente, graduando do curso de História (UFRN). Autor de diversos artigos e livros, reunidos no seu site pessoal gustavosobral.com.br.

 

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Gustavo Sobral

Sobre o autor: Gustavo Sobral

Gustavo Sobral é jornalista e escritor, tudo que escreve, rabisca e publica está disponível no seu site pessoal gustavosobral.com.br