A história é um ofício

Discurso proferido em 01 de dezembro de 2021, no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte pela concessão do título de sócio benemérito em razão dos relevantes serviços prestados à instituição.

Foi em busca dos livros que entrei pela primeira vez nesta Casa. Horas e horas debruçado nas mesas de pesquisa, consultando livros, as edições da revista e os jornais antigos; e do leitor e consulente, fez-se então e, portanto, aquele que doaria seus próprios livros à biblioteca e transportaria os livros do acervo como quem carrega tesouros.

E foi deste ato que me tornei diretor de biblioteca, arquivo e museu. Era o começo e parte de uma trama na que também se inclui o fazer revistas como quem constrói uma continuidade que também me levou à criação de um pequeno grupo de estudos que então se tornou um espaço para reflexão para além do fazer do dia-a-dia que é o trabalho infinito de organização de um acervo.

No caminho, construímos, e foi o primeiro, e na companhia de Maria Simões, um pequeno catálogo das peças do museu e mapeamos os institutos do Brasil, tarefa do grupo de estudos que resultou numa publicação impressa. Também fui buscar aqueles que ergueram tudo isso e saiu o ensaio Os Fundadores que escrevi.

Cada coisa era uma peça em um emaranhado de ações enquanto também na biblioteca, no arquivo e no museu executávamos o silencioso e continuo trabalho de organizar acervos e os relatórios começaram a costurar o trabalho em cada passo do que se fazia.  O livro de visitação passou a refletir o momento e os jornais começaram a estampar os resultados. “Instituto revigorado” é um dos títulos.

Organizamos exposições, empregamos nossos esforços nos pequenos e em todos os detalhes, tudo que era preciso e necessário. E veio a cultura popular, danças e apresentações folclóricas ocupar o largo por um dia, processo que organizei, idealizei, propus e nomeei Ocupação.  Andei museus e centro de pesquisas como inspiração e referência a apreender o que faziam para o trabalho que fazíamos; conversei com arquivistas, bibliotecários, técnicos em conservação e preservação, pois lidar com acervos é um trabalho que nunca termina.

Representei a instituição no encontro de institutos no Recife, comemoração do bicentenário da Revolução de 1817, articulando a proposta de uma carta aberta de intenções, nunca enviada, processo que levamos adiante em contato com o Senado Federal para modificações nas leis de incentivo à cultura, destinando um percentual para investimento em bibliotecas, arquivos e museus. Elaboramos também uma política para a biblioteca e incentivamos pesquisadores a escrever sobre o Instituto.

Avançamos no processo de digitalização e desenhei as seções do site, redigi todos os textos necessários, selecionei as imagens e criei o repositório, imprescindível. E, na revista, por minha iniciativa editorial, voltamos a publicar documentos históricos, cumprindo mais uma missão do Instituto.

É certo que a história se firma pela presença e pelas ausências de vestígios, indícios ou rastros, e vai constantemente sendo escrita.  A história luta contra o esquecimento e é processo, fluxo continuo. Não existe história inteligível sem a ordenação dos fatos que a narrativa é capaz de orquestrar. É pelo pensamento e a memória que a realidade é revelada e pela escrita que é posta. Sem a escrita a história não existe.

Já não é possível escrever a história sem levar em conta as mudanças. Os estudos sobre as mulheres já são uma realidade, as conquistas das minorias, alijadas da história, as histórias não contadas, as figuras esquecidas e as apagadas. É preciso dialogar com outras formas de pensar e escrever para que se torne possível escrever uma nova história e também uma outra história, pois não há como deixar de pensar a história sem olhar para o nosso próprio tempo.

O historiador Evaldo Cabral de Melo alertou que sempre haverá a necessidade de tratar o passado em função do que se passou e não em função de leis ou de teorias gerais ou de grandes conceitos teóricos. É preciso independência do pensamento e a conquista de novos paradigmas sem escola ou partido. É preciso agirmos como sempre agimos aqui, juntos.

O Instituto é espaço livre para as ideias, para unir o pesquisar, o pensar e o escrever.  Mas é preciso ainda se perguntar: Qual o lugar e o papel do Instituto hoje? Como atualizar, manter e preservar o acervo? Que história o Instituto deve contar? Que pesquisas deve desenvolver? E como avançar e superar os eternos entraves e problemas?

A memória pessoal é por sua natureza falha. Restam os relatórios e as atas que deixei, acreditando também que são capazes de nos remeter aquele presente que fixaram.  E se hoje voltei a um pouco do que fiz e do fizemos todos nós que aqui estamos, juntos, voltei para poder hoje dizer alguma coisa que pudesse e reencontrei o que já é passado.

Acredito, e  não estaria certo se não acreditasse, que não há nada mais difícil de se alcançar, advento do futuro, que se lançar a algo novo e tentar alcançar uma nova ordem para as coisas, por isso, termino eu inspirado na máxima latina de Vicente Lemos, dos fundadores, que diz mais ou menos assim: façam o que melhor puderem, eu, eu tentei fazer o melhor que pude. E continuo, pois a história é aqui e sempre será um ofício.

 

 

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Gustavo Sobral

Sobre o autor: Gustavo Sobral

Gustavo Sobral é jornalista e escritor, tudo que escreve, rabisca e publica está disponível no seu site pessoal gustavosobral.com.br