Conversa com Gustavo Sobral
Thiago Gonzaga, editor da Revista ANRL, revista da Academia Norte-rio-grandense de Letras, entrevista o escritor Gustavo Sobral. A entrevista saiu na edição 82 da revista (Jan/mar, 2025, p.71-79). Nela, Sobral conversa em tom informal, com humor coloquial, sobre livros, escritos, influências, o que andou e anda escrevendo e publicando, a cena da cidade, livros pela Edufrn, FIERN, o Instituto Histórico, que considera sua casa, e como não poderia faltar Oswaldo Lamartine de Faria. Isto e muito mais e menos para ler na íntegra aqui: Conversa com Gustavo Sobral
Conversa com o escritor Gustavo Sobral
Gustavo Sobral é escritor. Nasceu e vive em Natal. Graduado em direito e jornalismo, mestre em Estudos da Mídia, se dedica à escrita, organização e edição de livros. Desde 2015, mantêm um site pessoal, gustavosobral.com.br, no qual disponibiliza para download gratuito livros e artigos. Mantêm também na sua página um caderno aberto, o “Leia & Leia”, misto de recortes de jornal, caderno de anotações e textos diversos. Além de tudo, desenha. Nesta entrevista, conversa sobre o que mais gosta: livros, escritos e os projetos que andou e anda inventando.
Thiago Gonzaga: Quantos livros já publicados até agora?
Gustavo Sobral: Depois do vigésimo, perdi as contas. Já são quinze anos de atividade literária intensa, parte da minha vida e do meu dia a dia, das minhas conversas, entre leituras, as mais diversas, dos jornais aos livros, e escritos múltiplos, muitos projetos e trabalhos que caminham juntos. É vida de escritor em tempo integral.
Thiago Gonzaga: Dentre tantos livros, você tem algum predileto?
Gustavo Sobral: São tão diferentes um dos outros. Posso ter um dicionário ou a pesquisa sobre a obra de um autor, como são as investigações sobre a obra de Oswaldo Lamartine; um guia de bairro, um livro sobre a cidade, um manual. Seja um trabalho autoral ou em parceria, seja uma obra individual ou uma coletânea, sempre escrevi e organizei trabalhos que gostaria de ler e não encontrei. No fim, todos me agradam como um exercício de aprendizado e criação.
Thiago Gonzaga: Poderia falar um pouco sobre o estilo da sua escrita?
Gustavo Sobral: Tudo começou já em “Arquitetura Moderna Potiguar”. Abandono das aspas e travessões, unindo a minha voz à voz dos depoentes, uso de frases curtas e não, procuro a concisão, aproximo-me do falado, num ritmo todo meu, porque já me disseram: ler seus livros é como ouvir você falar.
Thiago Gonzaga: Uma linguagem própria?
Gustavo Sobral: Escritor em língua portuguesa e, para além dos brasileiros, leitor de Camões, Pessoa, Mia Couto, Pepetela, Lobo Antunes, Alexandra Lucas Coelho, Agustina Bessa-Luís, Eduardo Lourenço, Pedro Mexia, o Rui Tavares, e outros tantos, de ontem e de hoje, me encanta ver os usos da língua e propor minha forma. Recentemente encontrei uma boa história da língua, a de Fernando Venâncio, cujo carro-chefe é a nossa matéria-prima de escritor: a palavra.
Thiago Gonzaga: Conte sobre o uso das imagens no seu trabalho?
Gustavo Sobral: Meus livros são sempre visuais. Há desenhos, descrições, cenas. Em “História da cidade do Natal”, propus uma leitura pessoal desta história, em blocos que se conectam, é a história enquanto crônica, a história como narrativa, pois o meu papel como escritor é simplesmente contar. Em “Cenas Natalenses”, trago desenhos, os sons da cidade, tudo é um experimento na busca por uma forma de expressão.
Thiago Gonzaga: Você se considera um ensaísta?
Gustavo Sobral: Pratico o ensaio, mesmo quando estou escrevendo um artigo, trabalho no limiar. O ensaio é um exercício de liberdade, um texto livre no qual o autor escolhe o que quer dizer e como. Também muito já li e pesquisei sobre a crônica, que não é muito diferente do ensaio, em ambos há esta presença do pessoal, de explorar o olhar sobre o mundo, as suas referências. Ensaio e crônica estão carregados de pessoalidade e personalidade. A isso fui somando outras coisas como o desenho. Sim, me vejo como um ensaísta e prefiro a vírgula ao ponto final.
Thiago Gonzaga: A ilustração é parte de tudo isto?
Gustavo Sobral: É uma forma de ver o mundo, uma seleção e uma escolha dentre tantas outras do que será desenhado e de que parte da história será contada também pelo desenho. Uma das minhas maiores satisfações foi colocar em “Cenas Natalenses” a vegetação do Parque das Dunas. O traço não é outra coisa que o estilo do autor.
Thiago Gonzaga: Outros autores já utilizaram desenhos seus?
Gustavo Sobral: Tive o privilégio de ter um desenho meu na alentada biografia de Jesuíno Brilhante de Honório de Medeiros e em “O tempo e as suas lembranças” de Walclei Azevedo. Tive a sorte de ter um livro ilustrado por Angela Almeida, o “Memórias Alheias”, bem como a capa de “Rodolfo Garcia”, uma obra especialmente produzida para isso. A maioria dos meus livros tem desenhos meus também no miolo e na capa.
Thiago Gonzaga: É verdade que você publicou um filme com seus desenhos?
Gustavo Sobral: Andei encantado com a obra de Guto Lacaz, como já sou com a de Ziraldo, Millôr Fernandes, Saul Steinberg, Debret, todos eles minhas referências, sobre os quais já li e pesquisei, pois me interessa a história do desenho. E como já tinha lançado uma coleção de postais com edifícios históricos de Natal desenhados por mim, queria fazer algo diferente.
Thiago Gonzaga: Por isso, um filme?
Gustavo Sobral: Eu tinha cadernos com desenhos soltos da grande viagem pelo sertão, aquela que sai em comitiva com André Felipe Pignataro, Honório de Medeiros e Barbara Lima, em 2023, refazendo, pelo Instituto Histórico, uma viagem de 1861. E veio o estalo: fazer dos desenhos um filme experimental que saiu pela minha editora, o Sertão. Está no meu site para quem quiser ver.
Thiago Gonzaga: Que viagem foi esta e que desenhos são estes?
Gustavo Sobral: A viagem é mais uma obra. Uma obra vivida e coletiva, de nós que fomos, dos lugares, e de quem encontramos. Uma aventura que eu não esperava viver e que ainda não sei calcular a dimensão para o meu trabalho. Andamos o sertão do Rio Grande do Norte, por lugares que ainda não havia passado ou conhecido, outros revisitei, e não vi melhor forma de registrar a passagem do que pelo desenho.
Thiago Gonzaga: Você é um dos atuais editores da Revista do IHGRN e foi Diretor de Biblioteca, Arquivo e Museu, doou livros e documentos para o acervo. De que forma essa atuação no Instituto Histórico contribuiu para o seu trabalho de escritor?
Gustavo Sobral: O Instituto me permitiu ser tudo que nunca havia sido e tudo que eu nunca esperava ser. Explico: editar a revista mais antiga em publicação no Estado, publicada desde 1903!, e propor um novo projeto editorial e gráfico à revista; e, ao mesmo tempo, dirigir três espaços que são caros às minhas atividades enquanto pesquisador e editor: a biblioteca, o arquivo e o museu.
Thiago Gonzaga: Você também chegou a escrever, editar e publicar livros para o Instituto?
Gustavo Sobral: Devo aos Simões, Joventina, Maria e Pedro, os bons momentos e todo trabalho possível de realizar. O Instituto é uma universidade sem departamentos. Lá fizemos uma pesquisa sobre os institutos históricos brasileiros e virou livro; escrevemos e publicamos um catálogo e “Os Fundadores”; coordenei a comissão “Mulheres Pioneiras” e, agora, coordeno uma sobre os documentos de Oswaldo Lamartine. E escrevi “Rodolfo Garcia”.
Thiago Gonzaga: Como Rodolfo Garcia influenciou seu trabalho?
Gustavo Sobral: Exatamente esta capacidade de sair da condição de pesquisador full time e poder gerir uma equipe, um espaço e três acervos. É uma outra visão. O lado dos bastidores permite conhecer as dificuldades e desafios de uma instituição cultural no Brasil. Fui pesquisador e frequentador de várias, já fiz pesquisa em acervos no Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, e, em outras capitais e países, visitei bibliotecas, museus. Sempre fui frequentador e usuário, mas nunca havia sido um gestor. Foi nesta empreitada que descobri a figura de Rodolfo Garcia e sai em busca do que ele poderia me dizer.
Thiago Gonzaga: O que ele lhe “disse”?
Gustavo Sobral: Disse-me muito sobre a importância do levantamento das fontes primárias, a necessária publicação de documentos históricos para o conhecimento público e a pesquisa. E foi o que fiz. Até hoje, faço levantamento bibliográficos, coleto depoimentos e faço pesquisa.
Thiago Gonzaga: Apresente alguns exemplos.
Gustavo Sobral: Reuni com o historiador e bibliotecário Igor Oliveira as publicações de temas e autores do Rio Grande do Norte na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro; compus a bibliografia de Oswaldo Lamartine e encaminhei às bibliotecárias Tércia Marques e Margareth Menezes que a ampliaram; e tenho para publicar a bibliografia de Olavo de Medeiros Filho. Acredito que falta isso no Rio Grande do Norte levantamentos das fontes para pesquisa.
Thiago Gonzaga: Fale sobre o processo de digitalização e os artigos para a Tribuna do Norte?
Gustavo Sobral: No Instituto, levei adiante a parceria com o laboratório de digitalização da UFRN, o Labim, para a digitalização das revistas e livros históricos. Na série de artigos para a Tribuna do Norte, coordenada por mim e por André Felipe Pignataro, começamos a divulgar o acervo do Instituto, os livros e os autores do Rio Grande do Norte. Sem contar os documentos que publicamos na revista e estudos como o que estou escrevendo sobre as anotações de Oswaldo Lamartine para Rachel de Queiroz.
Thiago Gonzaga: Vamos falar do seu trabalho memorialístico. De onde veio a ideia para “Memórias do Jornalismo no Rio Grande do Norte”?
Gustavo Sobral: O jornalista Geneton Moraes Neto disse que fazer jornalismo é produzir memória. Jornalista, não encontrava nada que contasse a história da profissão e do seu exercício no Rio Grande do Norte. Melhor caminho não havia que ouvir os seus atores, ainda vivos e atuantes. Eu e Juliana Bulhões caímos em campo e em 2018 saiu o primeiro livro. Foi aí que começamos um documentário sobre o jornalismo local que continua. Temos artigos e um livro sobre a história a publicar.
Thiago Gonzaga: Vocês lançaram agora mais um volume de memórias do jornalismo?
Gustavo Sobral: Em 2020, partimos para contar a história de jornalistas mulheres. Reunimos um bom time e o livro, publicado agora em 2025, perpassa a trajetória de jornalistas que estão até hoje atuando nas mais diversas frentes, televisão, rádio, assessoria de imprensa. Este é mais um livro disponível para download gratuito pelo site gustavosobral.com.br. Lá se pode ter acesso a estes depoimentos sem igual.
Thiago Gonzaga: “Saudade de Newton Navarro” pode ser classificado nesta vertente?
Gustavo Sobral: Nesta seara também está “Saudade de Newton Navarro”, no qual, recolhi depoimentos de amigos, estudiosos e testemunhas da vida e obra do artista. Este livro me concedeu um amigo, o poeta Paulo de Tarso Correia de Melo.
Thiago Gonzaga: Poderia comentar as suas atividades no campo editorial?
Gustavo Sobral: Comecei como editor dos meus livros e hoje tenho uma casa editorial própria, o Sertão, em parceria com Fernanda Sobral. No sertão, que é um escritório nuvem, quando isso nem existia, exercitamos a arte de realizar projetos editoriais os mais diversos, a desenhar livros e revistas. Nesta nossa aventura, já publicamos trabalhos personalizados, autorais, e pude experimentar a escrita de livros infantis. Tudo também reunido em um site: sertaoeditora.com.
Thiago Gonzaga: Como foi começar a escrever livros infantis?
Gustavo Sobral: A literatura infantil é muito robusta. Há diversos autores e estilos, e claro, muito em quem se inspirar. Ziraldo sempre foi uma referência, e sempre gostei de histórias fantasiosas, absurdas, Píppi Meialonga de Astrid Lindgren é o máximo; também Grimble de Lucian Freud; os trabalhos de Maira Kalman e Julia Donaldson. Suzy Lee. É das melhores coisas do mundo, mas não foi fácil. Nunca fui ficcionista e tive que me inventar como.
Thiago Gonzaga: O que você aprendeu nesta jornada?
Gustavo Sobral: Continuo a ler e a pesquisar bastante, fui estudar a história do livro e da literatura infantil e o livro ilustrado. E tracei meu próprio estilo. Também é uma oportunidade trabalhar com ilustradores e designers. Tudo muito empolgante e enriquecedor. No livro da Zoe, do North Shopping de Fortaleza, trabalhamos com o divino estúdio Barbatanas.
Thiago Gonzaga: Você também publicou livros pela UFRN?
Gustavo Sobral: Publiquei com a editora da UFRN diversos títulos sobre Newton Navarro, inéditos de Augusto Severo Neto e a primeira antologia de cronistas da cidade do Natal. A editora publica livros relevantes e propõe projetos editoriais dignos de aplauso. A poesia de Zila Mamede e o trabalho de Angela Almeida sobre Dona Militana são dois dos melhores exemplos atuais. Há muito coisa de qualidade acontecendo na vida cultural da cidade.
Thiago Gonzaga: O que tanto mais você poderia dizer?
Gustavo Sobral: As entrevistas de Selma Bezerra com os artistas da cidade é uma publicação de alto nível. André Felipe Pignataro está com um artigo pronto sobre a Coluna Capitolina que é o que de melhor em pesquisa e texto que temos para ler. Octávio Santiago vem sacudindo a cena cultural com encontro de escritores, prêmio de jornalismo. É um portento. Elza Bezerra vai lançar uma biografia que merece ser lida. Seguimos bem com estes nomes.
Thiago Gonzaga: Você fez trabalhos para a Federação das Indústrias do Estado, a FIERN?
Gustavo Sobral: Virei um historiador da instituição. Trabalhei com a jornalista Auriceia Antunes na pesquisa e redação de dois livros: o dos 60 anos da casa e a história dos sindicatos filiados. Não bastasse, convidado por Albimar Furtado, sob a coordenação de Juliska Azevedo, organizamos uma história do presente: os últimos doze anos da instituição.
Thiago Gonzaga: O que ficou desta experiência?
Gustavo Sobral: Estes trabalhos foram escolas de pesquisa e redação e um mergulho na história de um sistema que fez e faz a diferença com a sua gama de serviços, ações e projetos. Sem contar a chance de trabalhar com estes jornalistas.
Thiago Gonzaga: Você tem dois trabalhos pioneiros publicados sobre Oswaldo Lamartine. Oswaldo também é uma referência para você?
Gustavo Sobral: Oswaldo Lamartine construiu uma obra multifacetada sobre um único tema, o sertão, com o uso original de fontes: os mestres, dados estatísticos, pesquisa bibliográfica, um estilo próprio e até o uso do desenho como forma de expressão, livros em coautoria, propostas originais como a biblioteca do sertanejo. É preciso prestar mais atenção na obra de Oswaldo Lamartine. E começar a ouvir outras vozes a seu respeito.
Thiago Gonzaga: Quais as próximas publicações?
Gustavo Sobral: Continuo a pesquisa sobre a história do jornalismo local. Eu e Juliana Bulhões já publicamos uma série de artigos e temos outros a publicar. Ainda este ano de 2025, lançaremos o nosso “História do jornalismo no Rio Grande do Norte”, pela casa editorial de Francisco Issac Dantas, a Biblioteca Ocidente. A Biblioteca Ocidente é uma das editoras mais atuantes em atividade e com um projeto editorial e gráfico diferenciado.
Thiago Gonzaga: Há algum tema que você ainda não explorou e deseja abordar no futuro?
Gustavo Sobral: Continuo interessado em escrever sobre temas diversos e, como é sabido, já escrevi sobre o cavalo, publiquei um manual de assessoria de imprensa, fiz o filme, então, a ideia é continuar inventando pela vida. Vamos ver o que há de vir por aí.
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