Solar Ferreiro Torto
Texto Gustavo Sobral, ilustração Arthur Seabra
Tantos foram os seus moradores. A casa é antiga. Destruída, modificada, reconstruída, recuperada. Teve moradores e formas. É do tempo. Foi casa de engenho, engenho de nome bonito, Potengi, como o rio. Construída no século XVII, no tempo da colonização, pode ser considerada como um dos primeiros assentamentos no território do Rio Grande do Norte. Seus primeiros anos de vida são atribulados.
A crônica da história registra o vai e vem da sua permanência, mostrando como viviam em batalhas índios, portugueses, holandeses, na vida e na lida pela conquista da terra e posse de tudo. Testemunha silenciosa dos séculos, foi denominada solar, que não é outra construção senão uma variação da casa, o casarão. Casa de família nobre, abastada, cercada pela mata, com pomar, plantação de cana, mandioca e até um cais de onde se tomava o rio Potengi para navegar até Natal/RN. Está em Macaíba/RN e se chama Ferreiro Torto.
Sua arquitetura se marca pelas colunas, janelas com beirais, frisos na fachada, dois pavimentos, jardim. Imóvel tombado, virou patrimônio histórico assinalado quando a sua vida não depõe o contrário. Na casa, quando se vivia o século vinte, nasceu num dos seus quartos um futuro memorialista, Otacílio Alecrim, que registraria não somente a sua infância e o seu passado, a vida de menino em Macaíba, mas todo um tempo de uma província que considerou submersa.
Fez como Proust, escreveu o tempo perdido daquela casa de engenho, senhorial, tomada de nome solar, e de mais o nome das terras que habita, Ferreiro Torto. Construída por um coronel da guarda nacional, era colorida pela mata atlântica, que ainda restava. Chama-se ferreiro torto porque um coqueiro alto, que se tinha na porta da fazenda, servia aos viajantes quando queriam aprumar a ferradura dos seus animais, tempos que não voltam mais.