Tilápia
Graco Aurélio Câmara de Melo Viana, professor (UFRN) e sócio efetivo do IHGRN
Há tempos que um amigo me disse para escrever sobre a Tilápia, na tentativa de desmistificar sua má fama e apresentar sua importância histórica na alimentação do “homem nordestino”. Agora, vamos tentar conseguir este intento.
Nossa intenção não é publicar um artigo acadêmico, uma vez que existem especialistas mais qualificados para tal tarefa, quando o assunto é o peixe Tilápia, da espécie Sarotherodon niloticus, com suas novas e geneticamente melhoradas “variedades”, comercializadas com muito sucesso no mercado mundial. A personagem deste texto é originária das águas do Rio Nilo, também encontrada nos rios e lagos da África. Na atualidade é “espécie do mundo” estendendo-se da Ásia às Américas por suas qualidades biológicas e organolépticas.
Ao voltarmos para a história da Tilápia no Brasil, inicialmente, temos de reverenciar a criação do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, o quase centenário DNOCS. À esse órgão devemos a “invenção” deste peixe nos açudes nordestinos, construídos para combater totalmente ou, pelo menos, minimizar os efeitos dos anos de secas prolongadas no sertão. Sobre os açudes, nosso “sertanejo maior”, o Doutor Honoris Causa da UFRN Oswaldo Lamartine, os descreve de forma exemplar em um de seus livros sobre o tema.
Historicamente, temos que nos referir ao pioneirismo do naturalista alemão Dr. Rodolpho Von Ihering que se instalou nas terras do Ceará, lá pelos idos de 1940-, e deu início aos estudos dessa espécie. Também não podemos esquecer do Dr. José William Bezerra, que entre outros pesquisadores da Estação de Piscicultura de Pentecostes, deu novo impulso à piscicultura continental com a produção dos alevinos na Estação de Piscicultura, hoje nominada de Centro de Pesquisas em Aquicultura “Rodolpho Von Ihering.
No Rio Grande do Norte a Tilápia também teve seu destaque institucional, através da Estação de Piscicultura “Estevão de Oliveira”- DNOCS – localizada em Caicó; e, por meio da Estação de Piscicultura “Sebastião Monte”, da UFRN, em Macaíba. Ambas contribuíram para difusão da tilapicultura e foram responsáveis pelos alevinos utilizados nos peixamentos de açudes e das primeiras pesquisas, que ajudaram a consolidar uma base de dados dessa espécie, proporcionando o aprendizado de gerações de estudantes e piscicultores.
A criação da Tilápia do Nilo esteve limitada à produção de alevinos e ao povoamento dos açudes recém construídos pelo sertão nordestino, entre as décadas de 70 e 80. Os peixamentos foram muitos, alguns até festivos e representavam a “ocupação” das águas pela Tilápia, que tornou-se popularmente conhecida por “pilatos”. Ela, a Tilápia, compartilharia assim, o mesmo corpo d’água com os nativos carás, piaus e piabas. Tal ocupação teria originado muitas “estórias” e algumas pelejas ambientais, ocasionadas pela espécie “exótica” trazida da África, que se tornou mais nativa do que qualquer outra espécie introduzida pela Aquicultura.
É importante destacar que no inicio da produção da Tilápia nos pequenos açudes, os resultados não foram nada estimulantes na colheita com a captura de milhares de peixes pequenos e de pouco valor comercial. Essa situação estaria relacionado com a limitada tecnologia na produção dos alevinos, especificamente na sexagem dos machos e das fêmeas, que ocasionavam reprodução excessiva e competição alimentar, e associado à falta de insumos apropriados para a sua alimentação, restringia o crescimento do peixe. Na verdade, tecnicamente, o sistema adotado era da piscicultura extensiva.
Por um bom tempo, apelidado de “pilatos” e com gosto de “barro” só poderia ter ficado com má fama mesmo. De feira em feira, tratado como o “peixinho feio”, certamente morrendo de inveja do belo e saboroso Tucunaré, e para quem alimentou até os apóstolos de Cristo a Tilápia encontraria quem a defendesse. Portanto, registre-se que foi a Tilápia que garantiu ao sertanejo uma das únicas fontes de proteínas nos anos de secas brabas, quando os pequenos açudes ou barreiros secavam até restar uma ínfima lâmina d’água, e nesta saltitavam esses peixinhos para alegria de quem os pescava.
É, o mundo dá muitas voltas…
Com a evolução tecnológica da Aquicultura, no caso, da piscicultura continental, a Tilápia passou a ser o peixe mais criado, valorizado e disputado no expressivo mercado mundial de alimentos saudáveis proveniente da atividade aquícola. Hoje, tem disponibilizada a mais alta tecnologia do setor produzida em modernos viveiros, tanques-rede, raceways, intensivamente e superintensivamente.
Já tem lugar garantido nas maiores redes de supermercado, peixarias, fast foods e restaurantes do mundo globalizado. Afirmo, e tenho “velhas” provas fotográficas, que já as visualizei no meio de salmões, hadocks, linguados, bacalhaus, toda faceira e destacada entre os nobres pescados.
Por vezes, fico pensando em São Pedro, padroeiro dos pescadores, quando da multiplicação das Tilápias no rio Nilo, que jamais imaginaria o sucesso que aquele peixinho faz em famosos restaurantes e além mar e até da nossa Natal, levando seu nome. Muitos já devem ter lido no cardápio, “Filé de Saint Peter com molho de alcaparras”. Trata-se de uma estratégia de marketing ou “marquetingue”, montada por uma empresa de piscicultura no Peru, que lançou a marca “Saint Peter Fish” para suas tilápias, na época, de coloração vermelhas como as nossas Ciobas.
Concluindo, esta estória virou um conto de fadas, pois de “Pilatos” à “Saint Peter”, a milenar Tilápia do Nilo conquistou as passarelas da gastronomia, ganhou campeonatos de “sabor e valor” e hoje faz parte da nossa cultura alimentar. Mesmo que a peçamos pelo seu nome de fantasia: “Garçom, por favor um filé de Saint Peter” , e após saboreá-la, exclamaremos: “ Ô tilápia boa da bixiga!
Bom Apetite!!!