Burra de sela

Vem dos antigos, e desde que o homem domesticou o animal para transporte e uso, a pronta necessidade de saber bem cavalgar. Se atribui em parte ao cavaleiro ou à amazona a destreza de bem conduzir os arreios, mas também fator incontestável é que nem só de um bom montador se faz uma agradável montaria. O animal contribui, e como, para o bom aproveitamento da cavalgada. Se incontestável é a predominância do cavalo em assuntos de montaria, incontestável também são as qualidades da burra, burrica, asna, jumenta, para o mesmo propósito.

Em matéria de resistência e prudência, a burra saiu superior ao cavalo. É certo que o animal só mostra a que veio, sabedoria do sertanejo, em serviço. Então o adágio é prudente: só se conhece burro bom em viagem grande. Juvenal Lamartine fez mais de uma vez viagem de ida e volta de Acari para Natal, de Natal para Acari, em sua Melada. 108 léguas! E dizia que a burrinha nem se abalou. Quincoló, marchante de gado, batia meio mundo, andando o sertão, na sua V8. Nem os cangaceiros se furtaram ao uso da burra com sela e sem, segundo Honório de Medeiros, mestre no assunto cangaço. E a burra virou instituição.

Diz-se daquele que acerta na sorte grande que “lavou a burra”. Burrinha é burra pequena, ou o seu diminutivo. Burrica é burra pequena e nova. Burrada é ajuntamento de burro, mas é também alguma besteira que algum indivíduo possa cometer, ai diz-se que ele fez uma burrada. Quem mata burro é burricida e burra de leite é a burra que produz leite e dizem que leite de burra é bom pra recém-nascido, só que sua quantidade é minguada…

Burra do padre é também como é conhecida a mula sem cabeça, avalie! E burranca é burra fraca – segundo o Grande e Novíssimo Dicionário da Língua Portuguesa de Laudelino Freire, 2ºed, 1954. Andorinha, Carrapeta, Cigana, Medalha, Melada, Asa Branca, outros mais eram nomes que assistiam as burras de sela no sertão velho.

As burras de sela eram de tanta e total serventia que eram elas a garantia de muita palavra dada por sertanejo quando dizia: aguarde que tal dia e tal hora estarei lá sem mais nem menos. E chegava, graças a burra. Mesmo assim, a coitada da burra passou para a história sem o devido reconhecimento do valor da sua presteza. A burra de sela merece este registro.

Leia também um ensaio sobre o cavalo, publicado por Gustavo Sobral, O cavalo no Rio Grande do Norte.

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Gustavo Sobral

Sobre o autor: Gustavo Sobral

Gustavo Sobral é jornalista e escritor, tudo que escreve, rabisca e publica está disponível no seu site pessoal gustavosobral.com.br