João Cabral de Melo Neto, as questões de pontuação
texto Gustavo Sobral e ilustração Arthur Seabra
Não é parente do primeiro Cabral, aquele português piloto de caravela, que cuidou logo de vir para o Brasil. Pelo menos não se sabe se é. Se sabe é que tem um irmão também diplomata e que é historiador do Pernambuco deles, e que se chama Evaldo. É contra parente do poeta Vinicius de Moraes, isso também se sabe. Descobriram depois quando já poetas e já amigos. Enquanto João Cabral punha verso sisudo, talhado, trabalho de faca de ponta, Vinicius arteiro fazia brotar palavra como brota flor em canteiro, aos montes de sentimento e poesia.
Oitava entrevista da série entrevistas imaginadas, quando se falará de e com poetas e escritores, pelo que já disseram em seus versos e prosa, por isso, imaginadas, mas nunca imaginárias, porque o fundo da verdade é o que já disse e está estampado no que já disseram. O entrevistado da vez, como se disse, é poeta, é pernambucano, chama-se João Cabral. Entrevistamos no volume de suas obras completas, o primeiro, A educação pela pedra e depois.
Entrevistador: Um galo sozinho tece uma manhã, poeta?
João Cabral: Ele precisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro; de outro galo que apanhe o grito que um galo antes e o lance a outro; e de outros galos…
Entrevistador: Entende de arquitetura, poeta?
JC: A arquitetura como construir portas, de abrir; ou como construir o aberto; construir, não como ilhar e prender, nem construir com fechar secretos; construir portas abertas, em portas; casa exclusivamente portas e tetos.
Entrevistador: E o arquiteto, sabe dele também?
JC: O arquiteto: o que abre para o homem (tudo se sanearia desde casas abertas) portas por onde, jamais, portas-contra; por onde, livres: a luz razão certa.
Entrevistador: Escrever é mesmo catar feijão?
JC: Catar feijão se limita como escrever: jogam-se os grãos na água do alguidar e as palavras na folha de papel; e depois, joga-se fora o que boiar. Certo, toda palavra boiará no papel, água congelada, por chumbo seu verbo: pois catar esse feijão, soprar nele, e jogar fora o leve e oco, palha e eco.
Entrevistador: e o Recife, o seu Recife?
JC: O Recife até os anos quarenta era como os dedos: as linhas de bonde. Ninguém falava de seu bairro mas desses dedos que as linhas de bonde varavam e a seu lado cristalizavam.
Entrevistador: O rio Capibaribe…
JC: O Capibaribe no Recife de todos é o jornal mais livre. Tem varias edições por dia, tantas quanto a maré decida.
Entrevistador: Foste a Sevilha, e os touros, e o toureiro?
JC: lembrando Manolete… tourear, ou viver como expor-se; expor a vida à louca foice que se faz roçar pela faixa estreita de vida, ofertada ao touro; essa estreita cintura que é onde o matador a sua expõe ao touro, reduzindo todo seu corpo ao que é seu cinto, e nesse cinto toda a vida que expõe ao touro, oferecida para que a rompa; com o frio ar de quem não está sobre um fio.
Entrevistador: A Espanha?
JC: A Espanha é uma coisa de tripa.
Entrevistador: O que o homem não aceita, em questão de pontuação?
JC: o homem só não aceita do homem que use a só pontuação fatal: que use, na frase que ele vive o inevitável ponto final.