Vinicius de Moraes, com as lágrimas do tempo
texto Gustavo Sobral e ilustração Arthur Seabra
Poeta, poetinha. E camarada. Um dia disse também que era o branco mais preto do Brasil. E foi. Diplomata representou a nação verde e amarela mundo afora, escreveu crônicas (além de muita poesia) e foi aficionado por cinema. Amigo de Carmem Miranda e de um tanto de gente assim, como Pablo Neruda, Tom Jobim, Rubem Braga, gente daqui e de fora. Também compositor, e dos melhores. De muitos parceiros. Fez muitos shows e teve muitas mulheres. Cada uma, uma paixão. Cada uma, um poema. Teve muitos filhos, dentre eles, uma filha de muitos pais, a bossa nova. Cultuou o samba e o jazz. E foi Vinicius de Moraes. Bon vivant, boêmio, senhor do seu próprio destino.
Décima primeira entrevista da série entrevistas imaginadas, quando se falará de e com poetas e escritores, pelo que já disseram em seus versos e prosa, por isso, imaginadas, mas nunca imaginárias, porque o fundo da verdade é o que já disse e está estampado no que já disseram. O entrevistado é poeta, como se disse, é Vinicius de Moraes, como se sabe, e que fez muita festa na vida e tornou a vida uma festa. Disse coisas lindas e as escreveu em verso contribuindo para uma instituição universal: a paixão semeada em sonetos.
Entrevistador: Poeta, e foi de repente, não mais que de repente?
Vinicius de Moraes: De repente, não mais que de repente do riso fez-se o pranto.
E: Onde e quando foi isso, poetinha?
VM: Oceano Atlântico, a bordo do Highland Patriot, a caminho da Inglaterra, setembro de 1938.
E: E o que mais poeta?
VM: E da paixão fez-se o pressentimento.
E: E foi na Inglaterra, nesse tempo que viu o Portinari?
VM: Vi-o na Inglaterra uma tarde, vi-o ermo, vadio.
E: E a pergunta que não calará, de tudo será sempre mesmo atento?
VM: De tudo ao meu amor serei atento, antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto, que mesmo em face do maior encanto dele se encante mais meu pensamento.
E: E o que poderá dizer do amor?
VM: Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure.
E: E de que morrerá feliz poeta?
VM: De ter vivido sem comer em vão.
E: E não comerá da alface a verde pétala?
VM: nem da cenoura as hóstias desbotadas!
E: E a pêra?
VM: entre bananas supervenientes e maças lhanas.
E: De manhã?
VM: escureço.
E: De dia?
VM: tardo.
E: E de tarde?
VM: anoiteço.
E: E à noite?
VM: De noite ardo.
E: E a vida?
VM: Ser criado, gerar-se, transformar o amor em carne e a carne em amor; nascer, respirar, e chorar, e adormecer e se nutrir para poder chorar.
E: Neruda…
VM: Quantos caminhos não fizemos juntos. Neruda, meu irmão, meu companheiro…
E: E de que fez a sua poesia?
VM: Com as lágrimas do tempo e a cal do meu dia.
E: Vinicius, quem é Vinicius?
VM: Homem, sou fera. Poeta, sou louco. Amante, sou pai.
E: E o que quer o poeta?
VM: Eu quero o repouso do que não espero.