Millôr Fernandes, a indefinível irreverência

texto Gustavo Sobral e ilustração Arthur Seabra

Era um garoto quando entrou numa redação de jornal para aprender a fazer tudo sem saber fazer nada. E assim gradativamente foi passando do nada ao tudo, mesmo que diga hoje, e tenha dito sempre, que não sabe nada. Escritor de toda verve, muita pena, poucos floreios, muitas verdades e toda graça. Incontudente, verdadeiro, sabe o que diz e diz o que sabe, as verdades que ninguém ouve e deveria ouvir. Revela um Brasil que sempre foi e é todo ao contrário.

Frasista inveterado, é autor de uma bíblia de frases, a Biblía do Caos, e disse assim: “não trabalho por dinheiro, mas sem dinheiro eu não trabalho”, boa de usar e experimentar, principalmente com patrão mau pagador. Escreveu para o Pasquim e bombardeou a ditadura militar brasileira tiros certeiros: ironia e humor. Também ilustrador e desenhista. Suas sentenças de ontem servem ao Brasil de hoje.

Nona entrevista da série entrevistas imaginadas, quando se falará de e com poetas e escritores, pelo que já disseram em seus versos e prosa, por isso, imaginadas, mas nunca imaginárias, porque o fundo da verdade é o que já disse e está estampado no que já disseram. Aqui respostas do Millôr Fernandes, colhidas por todo canto, em seus livros e na Bíblia do Caos.

Entrevistador: Consta que conquistamos o equilíbrio sustentável?

Millôr Fernandes: Estamos em pleno equilíbrio sustentável. No Rio se mata. Na Amazônia se desmata.

E: O cúmulo da infelicidade…

MF: Nascer com talento melódico numa época em que o pessoal só se interessa por percussão.

E: Átila ou o urbanista moderno?

MF: O que você acha pior; Átila, que, por onde passava, deixava deserto eterno, ou o urbanista moderno?

E: O Brasil é um país difícil de governar?

MF: Todos os países são difíceis de governar. Só o Brasil é impossível.

E: O que mais distancia o homem da mulher?

MF: A coisa que mais separa um homem e uma mulher é viverem juntos.

E: Diga uma coisa partilhada por todo mundo?

MF: o tempo, a vaidade e o medo.

E: Um caso de amor?

MF: Apesar da tremenda diferença de idade ela o amava profundamente e ele tinha um bilhão de dólares.

E: Alguma coisa há mais sobre o amor?

MF: O amor chega sem ser visto, mas sai fazendo aquele quebra-quebra.

E: Das porções…

MF: Todo mundo tem uma porção de amigos que detesta e alguns inimigos de que gosta.

E: Aconselha qual tipo de plástica?

MF: Tanta plástica no rosto, no seio, na bunda e ninguém ai pra inventar uma plástica no caráter.

E: Uma sugestão para acabar com o desemprego?

MF: Pra acabar com o desemprego, o Planalto tem que, primeiro, acabar com o desentrabalho.

E: Qual o problema de ficar na fossa?

MF: é que lá só tem chato!

E: Sobre o right society brasileiro?

MF: Examino mais de perto o jetset brasileiro tenho vontade de me sentar e escrever O Medíocre Gatsby.

E: Das verdades…

MF: O dinheiro fala. Mas só com gente rica.

E: O que é um gourmet?

MF: O Gourmet é o comilão erudito.

E: uma diferença sutíl…

MF: Devemos deixar claro que nenhum de nós, brasileiros, é contra o roubo. Somos apenas contra ser roubados.

E: Uma certeza?

MF: Á meia noite, no escuro da relojoaria, os relógios começam a discutir a hora exata.

Compartilhe Essa História:

Gustavo Sobral

Sobre o autor: Gustavo Sobral

Gustavo Sobral é jornalista e escritor, tudo que escreve, rabisca e publica está disponível no seu site pessoal gustavosobral.com.br