Manuel Bandeira, já pra Pasárgada!
texto Gustavo Sobral e ilustração Arthur Seabra
Lotado em Pasárgada, mas com saudades do seu Recife, o poeta Manuel Bandeira de queixo quadrado, óculos quadrado, dentadura de coelho sabixão, e coração de manteiga derretida e por derreter, revela que poesia e chiar de sapo é rua de paralelepípedo, é Vinicius de Morais, seu amigo, é notícia de jornal e a profilaxia do pneumotórax. O mais que ele dispara está tudo em Estrela da Manhã e Libertinagem (seus livros).
Poeta dado a libertinagens, sobretudo, porque foi poeta dos audaciosos e libertou-se para a nova poesia muito bem feita depois de 1922. E o resto é rondó de cavalinhos. Terceira entrevista da série entrevistas imaginadas, quando se falará de e com poetas e escritores, pelo que já disseram em seus versos e prosa, por isso, imaginadas, mas nunca imaginárias, porque o fundo da verdade é o que já disse e está estampado no que já disseram. O entrevistado da vez, como se disse, é poeta, é pernambucano do Recife, é Manuel Bandeira. Entrevistamos nos volumes Estrela da Manhã e Libertinagem.
Entrevistador: Foi possível tentar o pneumotórax?
Manuel Bandeira: Não. A única coisa a fazer foi tocar um tango argentino.
Entrevistador: De que tanta coisa ficou farto?
MB: do lirismo comedido, do lirismo bem-comportado, do lirismo funcionário público de ponto de expediente.
Entrevistador: E João Gostoso, que foi feito dele?
MB: João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número. Uma noite ele chegou no Bar Vinte de Novembro. Bebeu. Cantou. Dançou. Depois se atirou no Lago Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
Entrevistador: E por que desse negócio de ir-se embora?
MB: Aqui não sou feliz, lá [em Pasárgada] a existência é uma aventura de tal modo inconsequente que Joana a Louca de Espanha rainha falsa e demente vem a ser contraparente da nora que nunca tive.
Entrevistador: E fará o que por lá, poeta?
MB: Farei ginástica, andarei de bicicleta, montarei em burro brabo, subirei no pau-de-sebo, tomarei banhos de mar!
Entrevistador: Tem todas essas regalias?
MB: Ora, lá sou amigo do rei, lá tenho a mulher que quero, na cama que escolherei.
Entrevistador: E Joana boneca do Maracatu?
MB: Cara de cobra, Cobra! Olho de louco, louca!
Entrevistador: Café com pão, poeta?
MB: Agora um, café com pão; agora sim, voa fumaça; corre, cerca; ai seu foguista, bota fogo na fornalha que eu preciso muita força, muita força, muita força…
Entrevistador: Já se vai?
MB: Vou mimbora, vou mimbora, vou depressa, vou correndo, vou na toda que só levo, pouca gente, pouca gente, pouca gente…
Entrevistador: E o Brasil, politicando ainda?
MB: Nossa! A poesia morrendo… o sol tão claro lá fora, Esmeralda, e em minh´alma – anoitecendo!