O país do Rio Vermelho

Uma passagem por Salvador se revela uma beleza pura. A Janete

Bahia, o umbigo do Brasil para Jorge Amado. Salvador, cidade que sobe e desce sinuosa, onde até o plano é inclinado e as retas são curvas. Novembro de 2022, calor, chove um pouco, e o Rio Vermelho é tudo. Bares, botecos, a alegria dos boêmios, a morada dos artistas, casa de Iemanjá. Ali, paciência é nome de rua e, claro, a beira mar. 200 metros separam dois pontos precisos: o largo da Mariquita do largo da Dinha, os melhores acarajés de Salvador. O casarão do Sesi ali é um teatro; e a varandinha, um bar. O bar do França ocupa uma ruela e na porta da igrejinha barroca estão em bronze no banco da praça Zélia Gattai, Jorge Amado e o cachorrinho Fadul. Ali, atenta, Iemanjá, rainha do mar, olha tudo, aguardando 2 de fevereiro, dia de festa no mar.

Completo de tudo,

o Rio Vermelho ainda tem biblioteca, livraria, mercado do peixe e a Ceasinha com tudo de bom pra comer, beber e levar. Uma lista incluiria mais sorveterias, padarias, galerias, brechós e uma boate que de dia é borracharia ou seria uma borracharia que a noite é boate? O Rio Vermelho é também uma galeria a céu aberto, aqui e acolá uma escultura como o cachorro de Bel Borba, largo de Dinha. O hotel mais charmoso é casarão colonial, nome imponente, sonoro, bonito, Catharina Paraguaçu. E quem terá sido? Janelões com vista para o mar e um café da manhã que parece obra de Dona Flor.

Rua Alogoinhas, 33,

casa dos Amados, Jorge e Zélia, escritores, propagadores da Bahia, da literatura, da vida, imortais não só da ABL. Hoje, casa-museu. Parece que foram ali comprar o pão e voltam já. Está tudo como sempre foi. As sandálias perto da cama, a máquina de escrever sobre a mesa. O Rio vermelho tem tudo, não tem? O Rio Vermelho, por isso tudo, é quase um Vaticano, um estado independente.

Ande, vá ao Pelô, Pelourinho,

tome um transporte. Fique atento aos pertences para melhor apreciar. Uma simpática guarda municipal alertará, sobretudo, às madames: corrente e colares fora do pescoço; celular é na bolsa. Tomando as medidas necessárias: ande. O ponto de partida pode ser a Igreja São Francisco puro barroco baiano tudo folheado a ouro e um mergulho no tridimensional em fé, altares e cenas em painéis de azulejo pelas paredes. A Catedral da Sé é outra maravilha em entalhes e monumentalidade. Ali, o famoso padre Antonio Vieira, século 17, ecoou os seus célebres sermões de posse de uma vista magnífica para a cidade baixa. Colado, a Faculdade de Medicina, primeira do Brasil, atitude de Dom João VI em 1808. Hoje, um memorial.

“Se for de paz, pode entrar”.

Visite também a Fundação Casa Jorge Amado, museu dedicado à obra do escritor e o que mais quiser.  Quem tem pouco tempo, corre e pega o Elevador Lacerda, vai ver e viver a cidade baixa e o primeiro ponto é o Mercado Modelo. Acontece que viajante toma outro caminho, desce de carro, serpenteando, vai contornando a Baia de Todos os Santos, a maior em volume de água do Brasil e 56 ilhas. Vai por ali porque segue para o Solar do Unhão, MAM de Salvador. Construção do século 16, foi engenho à beira-mar com casa grande, capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição (virou museu e a fachada é rococó) e senzala. Tudo hoje é um museu e de arte contemporânea. Tem até chafariz. E do cais pode se avistar o mar. O projeto para virar museu foi coisa de dona Lina, a arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi que desenhou o MASP e muito mais, e ali está o seu acervo de arte popular, santos, ex-votos, gamelas, potes, pilões, candeeiros, carrancas, objetos em madeira, pedra, barro e latão. No casarão, o destaque é a escadaria que ela inventou e dá acesso ao segundo pavimento. Em madeira, vazada, helicoidal, uma obra de arte que impera no espaço desprovido de divisões e tomado por arte moderna.

Para Iansã a vida é um eterno recomeço

e pena que no jornal “A Tarde” nada disso é notícia. E tudo acontece até que chega o dia da partida. O país do Rio Vermelho e todo encanto de Salvador, a Bahia, fica para trás como uma lembrança que se deve recordar de cor, sabor e enladeirados pontos de vista.

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Gustavo Sobral

Sobre o autor: Gustavo Sobral

Gustavo Sobral é jornalista e escritor, tudo que escreve, rabisca e publica está disponível no seu site pessoal gustavosobral.com.br